Nenhum Conde Drácula terá mais o glamour, o charme, a imponência e a majestade de Christopher Lee
Quinta-feira (11), foi anunciada a morte de Christopher Lee,
aos 93 anos de idade, de por insuficiência cardíaca e respiratória. Lee foi, é
e será um de meus ídolos cinematográficos, nos gêneros vampiro, mistério,
terror, ficção científica, e em qualquer gênero, vilão ou homem misterioso.
Comprovando a tese de que vampiro – pelo menos na lenda, na
ficção, no teatro e no cinema – não morre, Drácula teve várias encarnações nas
telas do mundo, desde a de Max Schreck, no filme Nosferatu, de Friedrich
Murnau, de 1922 (neste caso sob o nome de Conde Orlok, mas a história é baseada
no personagem de Bram Stoker), passando por Bela Lugosi, vindo até o Klaus
Kinski dirigido por Werner Herzog e o Gary Oldman de Coppola.
Mas nenhum teve o charme, a glória, nem mesmo o apetite, eu
diria malignamente, de Christopher Lee, que estreou no papel em 1958, dirigido
já por Terence Fisher, o rei do terror e da Hammer inglesa.
A diferença, por exemplo, entre Lugosi, dos anos 30, e Lee,
dos anos 50 e depois, é que este, embora fosse também ator de teatro, como o
primeiro, nasceu, cresceu e agora morreu inteiramente voltado para o papel de
Drácula no cinema.
Além disso, Lugosi dependia muito das suas caretas - muito
boas, mas bastante teatrais. Já Lee mantinha sua face quase inalterável, a não
ser pelo fogo do olhar e na hora certa o arreganhar dos caninos emprestados da
maquiagem. Lee foi assim, de modo paradoxal, o mais contido e o mais eloquente
dos vampiros cinematográficos.
Num de seus filmes (no Brasil, 'Drácula, o Príncipe das
Trevas') sequer falou uma única vez. Não precisava. Bastava olhar. Envergava
uma longa capa esvoaçante por vezes, preta, mais preta ainda porque os filmes
eram em preto e branco.
Tinha uma semelhança notável com as imagens do Vlad Dracul
romeno, o personagem histórico que inspirou de longe – ponhamos longe nisto – o
personagem do romance de Stoker, que inspirou, por sua vez, a cadeia de filmes
e interpretações. Vi certa vez uma série de fotos de Lee com roupas semelhantes
às de Vlad Dracul, no seu castelo mais famoso na Romênia (embora na verdade ele
pouco estivesse por lá), na cidade de Bram, na Transilvânia. A parecença era
perturbadora e fantasmagórica.
Os paralelos das interpretações são múltiplos, fascinantes e
tentadores. Não se pode negar o espelhamento do Nosferatu de Murnau com a já
perceptível ameaça nazista na Alemanha. Também não se pode fugir da ligação
entre o vampiro (1992) de Gary Oldman, romântico, algo dândi em sua aparição
“laica” em Londres, com o clima retrô que se instalou depois do aparente fim da
Guerra Fria em 1989/1991 (e como um vampiro, ela está de volta…).
Também no filme 'A Dança dos Vampiros', de Roman Polanski,
apresentado em 1967, o personagem tem a ver com o clima de desabrida
contestação paródica daqueles anos 1960, hoje recobertos por uma aura de
“dourados”. Por falar em Guerra Fria, não se pode descartar a aproximação do
Drácula de Lee daquele terror soturno que marcava o pós-Segunda Guerra, com
suas ameaças de fim de mundo e hecatombes nucleares. O demônio andava à solta e
podia terminar o mundo a qualquer momento, mordendo-o na veia com seu apocalipse
renascente a cada dia.
Nas versões de Terence Fisher/Christopher Lee, o Conde
Drácula é vencido por uma mistura de racionalidade e fé religiosa encarnadas,
no primeiro filme da série, pelo caçador de vampiros van Helsing/Peter Cushing
(que também se imortalizou interpretando Sherlock Holmes). Essa mistura era
muito típica dos anos de Guerra Fria, em que se misturavam, do lado Ocidental,
a fé na racionalidade técnica e na transcendência mística para derrotar o
comunismo ateu.
Na verdade, os filmes eram proféticos, uma vez que o
comunismo acabou derrotado na Guerra Fria pela sua relativa incapacidade de se
renovar nas tecnologias do cotidiano, tornando sua sociedade menos atraente do
que a das lantejoulas, miçangas e quinquilharias do Ocidente, potenciadas no
mundo neo-liberal de Tatcher e Reagan, e pela cruzada religiosa conservadora de
um oriundi de seus territórios, o Cardeal polonês Woytila transfigurado em Papa
João Paulo II.
É claro que a saga vampiresca e cinematográfica do Conde
Drácula está longe de terminar. Ele renascerá, encarnado em outros atores. Mas
tenho a certeza de que nenhum terá mais o glamour, o charme, a imponência e a
majestade de Christopher Lee. Prova de que, no fim de contas, na vida real os
vampiros também morrem.
Via RDB
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