O papa está longe do desejado. Mas também foi o chefe da Igreja Católica que mais se afastou do indesejado, que é o apoio, mesmo que velado, à intolerância e à discriminação
Papa vincula a catástrofe climática à irresponsabilidade
sociopolítica dos países mais ricos, que cultivam o descarte
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Por Flavio Aguiar
Decididamente, hoje o papa é o político, no exercício de
cargo executivo e dentre aqueles que têm maior projeção e aceitação na cena
internacional, mais à esquerda no espectro ideológico. Já sei: alguém vai falar
do Lula, mas este não esta em cargo executivo no momento. Vão invocar o Maduro
e o Raul Castro, mas eles não têm a mesma aceitação. O Mujica tem aceitação,
mas também não tem cargo no momento. O Putin não tem aceitação nem é de
esquerda. Na China, melhor não falar. No deserto europeu, então, nem se fala…
Estão aí o Tsipras e o Varoufakis, como se dizia antigamente, se virando mais
do que bolacha em boca de velho (no tempo em que idoso era idoso e perdia os
dentes aos 50 anos e dentadura era coisa de rico).
Enfim, nada se compara ao papa. Pode ter sido controverso no
passado (supostas cooperações com a ditadura argentina ficaram ainda por comprovar), mas embora eu adore filmes como
Meu passado me condena, concordo com o padre Viera que a história mais
importante é a historia do futuro.
Confirmando sua posição no ranking, o papa acaba de lançar
uma encíclica que deixou a direitona babando de fúria, como republicanos, Tea
Parties, lobistas do carvão, do petróleo e quejandos nos Estados Unidos.
Porque o papa não se limita apenas a falar na
responsabilidade humana pelo aquecimento global, como se esperava, coisa em que
a direitalha norte-americana não acredita e nega, mais ou menos como os
nazistas negam o holocausto. O papa foi mais longe.
Ele vincula a catástrofe climática à irresponsabilidade
sociopolítica dos países mais ricos, fechados sobre si mesmos e entregues ao
que ele chama à “cultura do descarte”, ou melhor, eu diria, do “desperdício”
(claro que nos países medianos ou mais pobres muitas gentes das elites incorrem
no mesmo). Assinala que a catástrofe climática assim pode ser chamada porque
ela se vincula diretamente à desigualdade social que impera no planeta,
castigando mais quem possui menos. Chama os países desenvolvidos à
responsabilidade para com os países mais pobres em ajudá-los a combater a
pobreza e em deter a fúria consumista que abate e grassa em suas populações, e
define uma ética política precisa e necessária no mundo desarvorado do
neoliberalismo requentado e deslavado.
Dirão também: 'Ah, mas em matéria de casamento entre pessoas
do mesmo sexo…' É verdade, o papa está longe do desejado. Mas também foi o
chefe da Igreja Católica que mais se afastou do indesejado, que é o apoio,
mesmo que velado, à intolerância e à discriminação. Também está empenhado em
regular o Banco do Vaticano que, como qualquer outro banco, vive no mínimo às
portas da lavagem de dinheiro (a Suíça que o diga) e em combater a pedofilia
dentro e fora da Igreja.
Ainda não pude ler a encíclica Laudato Si, porque ela
recém-saiu e ainda não há (pelo menos não encontrei) cópia disponível on-line.
Mas o farei e comentarei.
Mas de momento tiro meu chapéu a este papa. Como disse um
amigo meu, ateu de carteirinha e anticlerical praticante: “Este papa está
atrapalhando meu ódio à Igreja Católica”...
Via RBA
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