Dê-se a isso o nome que se quiser. Estamos em meio a um processo de derrubada do governo da Presidenta da República, Dilma Rousseff.
Créditos a Conversa Afiada |
Todos sabemos qual é a hora congelada no relógio da história
brasileira neste momento.
Certamente não é hora de reiterar platitudes.
Ou de repetir lamentos, ainda que justos, pertinentes.
Tampouco de replicar constatações.
Todas as constatações que de forma procedente apontam a cota
de equívocos do governo e do PT na crise atual já foram feitas. Não será a sua
reiteração que levará o partido assumi-las ou equaciona-las.
Os fatos caminham à frente das ideias: a história apertou o
passo.
A dinâmica política assumiu a vertiginosa transparência de
um confronto em campo aberto no país.
Trata-se de escolher um dos lados e tomar posição para o
combate. Este que já começou e avança de forma acelerada.
É o seu desfecho que decidirá o aluvião das pendências,
críticas, autocríticas, repactuações, concessões e escolhas estratégicas que
vão modelar o passo seguinte do desenvolvimento brasileiro.
De um modo direto: o desfecho desse confronto vertiginoso
reflete uma correlação de forças que se esgarçou e caminha para um novo ponto
de coagulação na forma de um outro arranjo de poder.
Qual será esse ponto?
Depende do discernimento histórico, do sentido de urgência e
da capacidade de articulação das forças progressistas nessa hora decisiva.
Estamos em meio a um processo de derrubada do governo
democraticamente eleito da Presidenta da República, Dilma Rousseff.
Dê-se a isso o nome que se quiser.
Todos aqueles ensaiados pela direita latino-americana nos
últimos anos: golpe constitucional; derrubada parlamentar; golpe em câmera
lenta. Ou as marcas de fantasia da mesma ofensiva, todas elas embrulhadas no
rótulo de uma peculiar luta anticorrupção.
A singularidade dessa maratona ética é ter o PT como único
grande alvo; Lula como meta antecipada, a mídia como juiz do domínio do fato e
a consagração do financiamento empresarial como a nota de escárnio e desfaçatez
a desnudar toda lógica do processo.
Tudo isso já foi dito pelos canais disponíveis, que não são
muitos, e dentre os quais Carta Maior se inclui com muito orgulho.
Vive-se um adestramento da resignação brasileira para o
desfecho golpista deflagrado no processo de reeleição de Lula, em 2005/2006,
quando ficou claro que a direita brasileira não tinha capacidade de voltar ao
poder pelas urnas.
Passo a passo vem sendo cumprido desde então o objetivo
histórico a que se propôs a elite brasileira e internacional.
Trata-se de um objetivo ancorado em três metas:
a) desqualificar o Partido dos Trabalhadores e tornar suas
lideranças sentenciadas e inelegíveis;
b) inviabilizar, levar ao impeachment o governo da
Presidenta Dilma; e
c) desmontar e fazer regredir todos os avanços populares
obtidos na organização da economia, do mercado de trabalho, das políticas
públicas e sociais e da soberania geopolítica.
Em uma palavra: completar o trabalho iniciado no ciclo de
governo do PSDB nos anos 90, com o desmonte do Estado, a regressão dos direitos
sociais democráticos e a substituição desses direitos por serviços pagos,
acessíveis a quem puder compra-los.
A crispação da escalada, agora aguda, valeu-se de um
componente da correlação de forças intocado em todos esses anos naquele que
talvez tenha sido o erro superlativo dos governos liderados pelo PT: a
hegemonia do aparato comunicação nas mãos da direita brasileira.
Esse trunfo sabotou cada iniciativa do projeto progressista
e coordenou o cerco que ora se fecha.
Alimentou, ademais, a disseminação do ódio na opinião
pública, que se expressa na agressividade inaudita observada nas redes sociais
desde a campanha de 2014.
É nessa estufa de preconceito e ódio de classe que brotam os
esporos da ofensiva fascista, traduzida na escalada em curso.
Inclui-se nessa espiral as agressões públicas a ministros e
ex-ministros de Estado, o ataque à reputação de lideranças progressistas e a de
seus familiares, a onda de boatos e acusações infundadas contra o governo, as
lideranças petistas e populares; enfim, o adestramento progressivo e diuturno
do imaginário social para a aceitação passiva, ou engajada, da derrubada do
governo da Presidenta Dilma.
Iludem-se os que confundem esse aluvião tóxico com a
expressão da banalidade do mal.
É de luta de classes que estamos falando, não de Hannah
Arendt.
É de intolerância fascista a pavimentar a derrubada de um
governo escolhido por 54 milhões de brasileiros.
Os que pautaram o grito de ’escravo’ no desembarque dos
cubanos engajados no ‘Mais Médicos’, agora conduzem o jogral que grita
‘corruptos e impeachment’.
Não sejamos ingênuos.
É curta a ponte que leva o ódio antipetista a se propagar em
ódio anticomunista, em intolerância religiosa e desta para a demonização da
livre escolha sexual e daí para a higienização social.
Em nome do combate ao crime e à violência ultimam-se as
providências legais para lotar penitenciárias com adolescentes pretos e pobres.
Quando uma sociedade simplesmente interna o seu futuro
assim, em jaulas, qual futuro reserva a sua gente?
O futuro urdido no intercurso entre a intolerância fascista
e a livre mobilidade dos capitais --cuja persistência impede qualquer projeto
de desenvolvimento-- é o que a direita defende para o Brasil pós-PT, pós-Lula e
pós-Dilma.
É esse o programa da derrubada em marcha do regime
democrático brasileiro.
Não errará quem encontrar pontos de identidade com outras
escaladas em curso na política latino-americana, marmorizada de redes sociais,
movimentos e lideranças jovens treinados e financiados por fundações de extrema
direita dos EUA. Os novos braços privados da CIA e do Departamento de Estado.
O processo que ora avulta na caçada ao PT culminará com a
caça a todo e qualquer desvio à norma de conduta que determina a subordinação
esférica da sociedade à lógica rentista local e global.
Carta Maior nasceu como um espaço de reflexão da
intelectualidade progressista brasileira.
Seu compromisso explícito com a construção da democracia
social torna-a um veículo imiscível com os valor que ordenam a derrubada em
marcha do governo Dilma –em relação ao qual sustenta um apoio crítico claro e
independente.
Elegemos uma prioridade diante das provas cruciais que nos
impelem –os progressistas , democratas e nacionalistas sinceros—ao engajamento
nesse divisor que se aproxima.
Exortamos os intelectuais a irem além do debate
convencional.
Estamos propondo a incômoda operação de concretizar o geral
no particular.
Trata-se de uma exortação à Universidade pública, para que
ela volte a ser um ator do desenvolvimento. E não apenas um cronista da crise.
Ou um coadjuvante do mercado.
Não basta mais produzir manifestos contra os golpistas.
É preciso afrontar o projeto de país embutido no golpe com
um outro projeto.
E, sobretudo, com um outro método de escrutiná-lo .
Estamos exortando a universidade brasileira a se declarar
uma trincheira em vigília permanente contra a derrubada do governo da
Presidenta Dilma Rousseff.
E de fazê-lo transformando essa trincheira na rede da
legalidade dos dias que correm.
Uma rede debruçada no debate do projeto de desenvolvimento
que rompa os gargalos e as subordinações responsáveis pelo impasse atual.
E que transforme em práxis anti-golpista a costura das
linhas de passagem do Brasil que somos, para o país que queremos ser.
O desafio de vida ou morte nesse momento consiste em
restaurar a transparência dos dois campos em confronto na sociedade.
Na aparente neutralidade de certas iniciativas pulsa a
rigidez feroz dos interesses estruturais que impulsionam a derrubada em marcha
do governo.
A universidade pode, deve e precisa assumir a sua cota como
um solvente, capaz de devolver à sociedade a clareza sobre as escolhas em
confronto agudo nas horas que correm.
É essa urgência que CM quer compartilhar com a comunidade
universitária, à qual se oferece como um canal de expressão democrático e
progressista.
Mãos à obra.
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