Conflito diplomático criado por grupo liderado por senador tucano ignora importância do comércio entre Brasil e o país vizinho, que no ano passado importou R$ 14 bilhões dos brasileiros
Aécio: tentativa de desestabilizar relações com o país que é
o nono maior importador de bens e serviços brasileiros
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Por Helena Sthephanowitz - No RBA
Se já é irritante ver senadores brasileiros, liderados por
Aécio Neves (PSDB-MG), gastarem dinheiro público requisitando um jatinho da FAB
para ir à Venezuela fazer intrigas e dar um vexame, em cima de assuntos
completamente alheios aos interesses do povo brasileiro, pior é sabotar a
economia brasileira criando arruaças diplomáticas completamente desnecessárias
e impróprias com o país que foi o nono maior importador de bens e serviços
brasileiros no ano passado.
Em 2104, a Venezuela importou cerca de R$ 14 bilhões do
Brasil (US$ 4,6 bilhões), gerando um saldo positivo na balança comercial de R$
13,4 bilhões. Isto em um ano que o país vizinho enfrenta uma crise econômica,
sobretudo pela queda do preço do petróleo, responsável por cerca de um terço do
PIB deles.
As ações do Aécio de hoje são tão desastradas que desmentem
e rasgam seu próprio discurso da campanha eleitoral. Há nove meses o tucano
falava na televisão para todo mundo ouvir que, se vencesse, sua política
externa seria "comércio", pragmática, defendendo o interesse
comercial acima de ideologias.
Pois olhando hoje, Aécio só não mentiu se ele estivesse se
referindo a defender o interesse comercial de outros países que concorrem com o
Brasil no comércio mundial.
Sabotar R$ 14 bilhões em vendas de empresas e produtores
brasileiros a um país estrangeiro, além de lesar a macroeconomia nacional,
sabota também milhares de empregos e a renda de trabalhadores e produtores
daqui.
A Venezuela tem seus problemas internos, tem um ambiente
político radicalizado, mas é uma democracia inquestionável, com eleições
livres, disputadas pela oposição com regras iguais, que tem parlamentares
eleitos, que governa alguns estados e municípios. É uma democracia com plena
liberdade de expressão, de manifestação, de organização partidária plural e a
imprensa é livre, sem nenhuma censura. Os poderes Legislativo e Judiciário
funcionam plenamente de acordo com a Constituição que foi inclusive referendada
pelo voto popular, coisa que a nossa democracia não fez.
A defesa dos três líderes da oposição venezuelana que
respondem a ações judiciais pode argumentar que as prisões tenham conotação
política, mas o fato é que eles são acusados pelo Ministério Público não por
emitirem opiniões, nem por atividades partidárias, nem por ativismo pacífico,
mas por promoverem manifestações
violentas que levaram à morte e lesões de civis e policiais, e ao incêndio de
prédios públicos. São acusados também de atentados contra a Constituição na
forma de golpe de estado. Violência contra a vida e a integridade física das
pessoas, destruição de prédios em país com liberdades democráticas são crimes
comuns e não políticos. Golpe de estado também é crime em qualquer país que
tenha uma Constituição democrática. O Ministério Público de lá os
responsabiliza de incitarem e promoverem propositalmente a violência de forma
premeditada. Cabe aos advogados de defesa rebaterem a acusação, seja provando a
inocência ou a ausência de provas de dolo, apesar de discursos gravados
daqueles líderes pesarem contra a defesa. Todos os outros líderes políticos
venezuelanos de oposição, que não são acusados de crimes comuns e disputam suas
ideias nas urnas não sofrem qualquer perseguição.
A política externa do Brasil, e não é só nos governos
petistas, tem tradição clara de defesa dos direitos humanos universais desde a
redemocratização, como tem posição muito clara de respeito à autodeterminação
dos povos, não ingerindo na política interna dos países. Nas questões de
direitos humanos, o Brasil exerce esta defesa nos órgãos multilaterais como a
Organização das Nações Unidas (ONU), Organização dos Estados Americanos (OEA) e
outros. Em geral, só países imperialistas interferem diretamente na política
interna de outras nações soberanas.
Entre as nações que mais violam os direitos humanos e
liberdades fundamentais, a Venezuela passa longe; nem por isso, o Brasil
interfere na política interna dos outros países bem mais problemáticos. Também
é curioso o senador tucano nunca se preocupar com violações de direitos e
liberdades em outros países.
Aécio, como qualquer pessoa, pode ter seu juízo de valor
sobre os políticos venezuelanos presos, se tem ou não responsabilidade pelos
crimes comuns. Pode se posicionar como político, mas o assunto está mais na sua
esfera da política partidária e de grupos de interesse do que do interesse
geral da nação brasileira. Por isso, é questionável o uso de recursos públicos
brasileiros, como o avião da FAB, para fazer atividades que têm mais a ver com
atividade política privada.
Para a visita perder o caráter de ingerência na política
partidária de outros países, inclusive flertando com golpistas de estado, a
comitiva de senadores deveria oferecer um papel de mediação, com uma agenda
mais ampla, dialogando com os dois lados das forças políticas e com amplos setores
da sociedade venezuelana.
Em vez disso, Aécio já criou confusão antes mesmo da viagem
ao acusar, três dias antes, de um veto ao voo da FAB que não houve. Emitiu
declarações belicosas contra o governo venezuelano e contra a maioria do povo
daquele país que fez suas escolhas nas urnas. Flertou com golpistas de estado e
agiu como lobista de uma geopolítica imperialista com histórico de saquear a
riqueza do povo venezuelano.
Daí, se Aécio foi convidado a fazer uma visita de apoio à
oposição venezuelana, e quisesse fazer nesta condição, deveria ser
representando o PSDB, ou a Chevron ou sabe-se lá mais quem, contanto que não
envolvesse as instituições de Estado brasileiras.
Se o tucano foi a convite da oposição venezuelana, não é o
povo brasileiro quem deveria pagar sua viagem, e sim quem o convidou. Ou o
senador que pagasse de seu próprio bolso para saciar seus interesses políticos
e midiáticos pessoais.
Como se não bastasse, o tucano deu o vexame de mal passar
seis horas em território venezuelano. No primeiro engarrafamento que encontrou
ao sair do aeroporto, aproveitado por um pequeno grupo de manifestantes
populares para protestarem contra sua comitiva, o fez bater em retirada sem
cumprir a missão a que se propôs.
Poderia persistir, até mesmo reclamar junto às autoridades
venezuelanas, à embaixada brasileira, à oposição venezuelana, alugar ou pedir
um helicóptero à elite de extrema-direita de lá, para seu deslocamento.
Preferiu voltar sem cumprir o que propôs. Talvez acreditando que uns gatos
pingados de manifestantes inofensivos que deram alguns tapas no ônibus – coisa
que não deveriam fazer, mas também não chegaram a representar ameaça – era o
factoide suficiente para não esticar o vexame. A bolinha de papel de José Serra
(PSDB-SP) em 2010 faz escola.
Mas se a despesa com avião da FAB, com a mobilização de
funcionários do Itamaraty e do Senado, só para fazer intrigas já é tudo o que o
cidadão não quer como atuação de seus parlamentares, muito pior é a sabotagem
contra a economia brasileira no valor de R$ 14 bilhões ao ano.
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