Uma descoberta realizada por peritos espanhóis da Universidade de Múrcia reacendeu a polêmica em torno da morte do poeta chileno Pablo Neruda (1904-1973).
Neruda: sua família e dirigentes do Partido Comunista questionam atividade da Fundação Neruda, que solicitou fim de investigações |
Por Victor Farinelli*, na Opera Mundi
Segundo os investigadores, os restos exumados continham
“diferentes espécies de proteínas bacterianas, algumas relacionadas ao câncer
de próstata avançado, que já havia sido comprovado a partir de exames médicos
da época, e outras que abrem a possibilidade de que ele tenha sofrido um
processo infeccioso agudo, independente do processo cancerígeno, em suas
últimas horas de vida”.
O promotor público Mario Carroza, que lidera a investigação
sobre a causa da morte de Neruda, pediu prudência sobre os resultados
revelados. “Assim como não concluímos o caso com a perícia de 2013, tampouco
vamos concluir algo agora, sem ter todas as certezas que precisamos”, afirmou.
Para Carroza, como os resultados não concluem que o novo
grupo de proteínas bacterianas encontrado seria o causador da morte, trata-se
do “começo de uma nova linha de investigação”.
A exumação
A exumação dos restos mortais do poeta foi realizada em 2013
e diferentes equipes participaram do processo. Em novembro daquele ano, foram
publicados os resultados dos estudos feitos pelos pesquisadores da Universidade
da Carolina do Norte e pelos profissionais do Serviço Médico Legal do Chile,
ambos apontando que a causa da morte havia sido definitivamente o câncer de
próstata.
Apesar de não ter participado do processo de exumação, o
legista Luis Ravanal questionou à época o método utilizado pelos pesquisadores
e afirmou que “o trabalho foi teleguiado pela Fundação Neruda para buscar
apenas elementos que tivessem relação com o câncer de próstata”.
As controvérsias
A morte de Neruda aconteceu no dia 23 de setembro, doze dias
depois do golpe de Estado de 1973, que derrubou Salvador Allende e iniciou a
ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990). O atestado da época apontou como
causa da morte uma parada cardiorrespiratória. Dias depois, a Clínica Santa
Maria, onde o poeta ficou internado em seus últimos dias, emitiu um documento
dizendo que o poeta havia falecido por complicações devido ao avançado câncer
de próstata do qual sofria.
Essa versão oficial começou a ser contestada somente em
2011, quando Manuel Araya, um ex-militante do Partido Comunista, que trabalhou
como assessor pessoal de Neruda em seus últimos anos, afirmou em entrevista ao
jornal mexicano La Jornada que Neruda havia sido assassinado pela ditadura e que
a Fundação Neruda extorquiu a viúva Matilde Urrutia para obter a posse do
patrimônio legado pelo poeta.
A partir do depoimento de Araya, o Partido Comunista do
Chile, no qual Neruda foi militante, solicitou uma investigação sobre a causa
de sua morte, ao qual obteve apoio de representantes da família.
No último fim de semana, dias antes do anúncio da descoberta
da nova bactéria, a Fundação Neruda solicitou o fim das investigações, alegando
que “já se passou um tempo mais que suficiente discutindo esse tema, e os
restos do poeta precisam descansar em paz”.
A iniciativa foi contestada imediatamente pela família de
Neruda, através do advogado Rodolfo Reyes, sobrinho do poeta: “o comunicado é
incoerente, ilógico e torpe, pois revela quem não está interessado em chegar
até a verdade sobre o caso”.
Desde o surgimento do testemunho de Manuel Araya, o Partido
Comunista e a família Reyes questionam a atividade da Fundação Neruda, que
administra as três casas-museu (La Chascona, em Santiago; La Sebastiana, em
Valparaíso; e Isla Negra, em El Quisco), além de todo o seu patrimônio material
e literário.
Sem possuir nenhum vínculo com os parentes vivos do poeta,
os donos da Fundação Neruda são os irmãos Aida e Agustín Figueroa, sendo este
último apontado pelo advogado Eduardo Contreras como “um empresário ligado ao
partido pinochetista UDI”.
O legado
Um dos poetas mais importantes da América Latina, Pablo
Neruda (pseudônimo de Neftalí Reyes Basoalto) foi vencedor do Prêmio Nobel de
Literatura de 1971, o segundo recebido por um latino-americano.
Além da literatura, Neruda teve importante atuação política.
Foi senador em seu país e militante do Partido Comunista – fugiu do Chile em
1949, devido à lei que colocava o PC na clandestinidade. Em 1971, após receber
o Nobel, voltou ao Chile para apoiar o governo da Unidade Popular, de Salvador
Allende (1970-1973).
Nenhum comentário:
Postar um comentário