Um dos mais respeitados juristas do país, Celso Antônio
Bandeira de Mello afirmou, nesta sexta (4),
que a condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) para depor foi um “abuso” e, do ponto de vista jurídico, “um disparate”.
Para ele, tratou-se de um ato político, uma tentativa de constranger o
ex-presidente. “E só se faz isso quando se tem medo. Quer dizer, eles têm medo
que o Lula saia candidato e ganhe”, criticou, avaliando que o tiro pode ter
saído pela culatra.
Bandeira de Mello conversou com o Portal Vermelho na tarde
desta sexta. Ao ser questionado, no início do telefonema, se concederia uma
entrevista sobre a 24ª fase da Operação Lava Jato, ele disse, irônico: “24ª
fase de exibição, né? Esse é o nome certo”.
De acordo com ele, a ação autorizada pelo juiz Sérgio Moro e
levada a cabo pela Polícia Federal não passou de “pirotecnia”, como já tinha
afirmado o ex-presidente Lula. “Do ponto de vista jurídico, é um disparate.
Ninguém é levado, conduzido à força, se não se recusa a ir. E o Lula nunca se
recusou a depor. Então é evidente que este ato é um abuso. Não é o uso de uma
competência, é um abuso, ou seja, um uso indevido de uma competência, além do
que ela permitiria”, definiu.
O jurista, que é considerado um dos maiores especialistas em
Direito Administrativo brasileiro, avaliou ainda que, diante de reiteradas
afrontas à Constituição, o país não vive mais uma situação de normalidade
institucional. Assim fosse, analisou, atitudes como a de Moro não ocorreriam.
“Se nós estivéssemos vivendo em uma situação normal, num Estado de Direito –
que nós não temos mais – nenhum juiz na terra ousaria fazer isso. E, se
ousasse, seria punido”, afirmou.
Medo do Lula
Para ele, o cerco à casa de Lula e a maneira como ele foi levado
para depor, é “uma tentativa de intimidar, constranger e apavorar” o
ex-presidente. “E só se faz isso quando se tem muito medo. Quer dizer, eles têm
muito medo que o Lula saia candidato e ganhe”, opinou.
Embora tenha feito a ressalva de que falar sobre o futuro é
arriscado, Bandeira de Mello avaliou que a investida contra o ex-presidente
pode fortalecer ainda mais o petista. “Os coxinhas, que hoje são representados
até por autoridades, tentaram obter um resultado, mas obtiveram, ao meu ver,
outro. O que eles vão conseguir é que o Lula vai ficar marcado como um homem
injustamente perseguido, claro que vai ficar irritado e claro que agora vai
arregimentar cada vez mais as forças do PT”.
Na opinião do jurista, diante da ofensiva e da
arbitrariedade da ação da PF, o partido e as demais forças à esquerda reagirão,
fazendo o feitiço virar contra o feiticeiro. “Acho que isso vai reanimar as
forças do PT, que estavam muito escondidas, né? Conseguiram unir novamente o
Lula, a Dilma e todos os petistas. O efeito é o contrário do que eles
pretendiam. Fortalece o PT e fortalece o Lula candidato”.
“O Estado de Direito acabou”
Já faz tempo que Bandeira de Mello defende que as garantias
constitucionais vêm sendo ignoradas. Segundo ele, “o Estado de Direito morreu a
partir do momento que foi condenado o José Dirceu sem provas. Quando você tem o
Supremo Tribunal Federal (STF) condenando alguém sem provas, isso significa que
o Estado de Direito acabou”. O jurista faz sempre questão de reiterar que não é
filiado ao PT, nem ao menos vota regularmente no partido. Sua opinião é a de
alguém que se ocupa do Direito.
Para ele, os “abusos” cometidos na Operação Lava Jato são
mais “uma agressão” às instituições do país. “Nós vivemos esse clima. O fato
deste homem do Paraná [Sérgio Moro] não ter sido coibido até agora já é um
sinal de que o apreço pelo Estado de Direito foi embora, ninguém mais está
ligando para isso”.
Crítico da falta de regulação dos meios de comunicação, ele
declarou que as pessoas não se preocupam mais com o Direito, “o que vale é o
que os jornais falam”, independentemente de as informações estarem ou não
corretas.
“E o PIG cria esse clima, o que se vai fazer? É um horror.
Para mim, se houve um erro no governo Lula, foi não ter diciplinado a imprensa.
Todos os órgãos e empresas têm uma diciplina, por que a imprensa não tem?
Afinal, são empresas que estão aqui para ganhar dinheiro, o que é muito lícito
em um Estado capitalista, mas elas têm que ser reguladas”, defendeu.
“Isso se chama golpe”
Questionado a respeito da possibilidade de a instabilidade
institucional se agravar, ele respondeu que, na atual situação, tudo é
possível. E classificou o quadro atual como “um golpe”. Mas disse que não prevê
um cenário de conflagração social.
“Tudo é possível quando o Direito não se aplica mais. (...)
Estamos diante de uma situação de golpe. Quando o Direito não é respeitado,
isso se chama golpe. Infelizmente, é o que está acontecendo no Brasil. Mas acho
que isso vai parar por aí, porque a reação dos lulistas superou o que eles
esperavam”.
De acordo com ele, a oposição sabe que seria derrotada nas
ruas. “Embora eles anunciem que têm muitos adeptos, não acho que seja verdade.
O povo está em número maior. Não vale a pena para os coxinhas um confronto.
Seria horrível se tivéssemos aí um conflito social”, colocou, completando que,
diante da reação “anti-coxinha” – que teve início ainda ontem, com vários atos
em defesa do Lula –, as investidas da oposição deverão ceder. “Eles vão
perceber que não é bom esse negócio e vão se conter um pouco mais”, encerrou.
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